17/06/2011

Autoridades do Rio mandaram, por engano, preso para penitenciária de segurança máxima em Rondônia


Autoridades do Rio mandaram, por engano, preso para penitenciária de segurança máxima em Rondônia

Alguns dos presos em flagrante após a invasão do hotel, sendo transferidos da 15ª DP para Bangu (antes de serem mandados para Rondônia) Foto: Marco Antônio Cavalcanti / 22.08.2010
Marcelo Gomes e Marcos Nunes
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No afã de mandar para bem longe do estado os bandidos presos em flagrante após a invasão ao Hotel Intercontinental, em São Conrado, na manhã de 21 de agosto do ano passado, a 25ª Vara Criminal despachou — a pedido da Secretaria de Segurança — para a Penitenciária Federal de Porto Velho, em Rondônia, um homem que não teve envolvimento no caso. Mais: dos nove transferidos com alarde após o caso, todos já voltaram, silenciosamente, para o Rio.
Jonathan Costa Soares, o Sapatinho, de 21 anos, foi preso no Hospital Getúlio Vargas, na Penha. Na madrugada da invasão ao hotel, ele havia quebrado a perna ao cair de moto na Avenida Niemeyer, perto do hotel. Após passar por várias unidades, chegou ao Getúlio Vargas.
No hospital, foi descoberto que havia contra ele um mandado de prisão por associação para o tráfico, expedido pela mesma 25ª Vara Criminal.
Jonathan Costa Soares: mandado por engano para o Presídio Federal de Rondônia
Jonathan Costa Soares: mandado por engano para o Presídio Federal de Rondônia Foto: Cléber Júnior / 21.08.2010
Segundo o advogado Raul Barbosa Lins e Silva, que defende Jonathan, a confusão se deu após policiais que investigavam a invasão ao hotel terem confundido seu cliente com um dos envolvidos.
— Como Jonathan também morava na Rocinha e se acidentou na rua do hotel na madrugada da invasão, ele foi colocado no mesmo bolo dos que realmente participaram, e acabou enviado por engano para Rondônia — disse.
Após a descoberta do erro, o Ministério Público não incluiu Jonathan na denúncia oferecida à Justiça contra os outros nove presos em flagrante após a invasão ao hotel. Com isso, a 7ª Câmara Criminal determinou seu retorno ao Rio. Atualmente, ele está preso em Bangu.
— Quando manda o preso para fora do estado, é tudo feito rápido, debaixo dos holofotes. Mas, quando uma ordem judicial determina a volta, o estado alega falta de voo, falta de efetivo para escolta... E o retorno leva meses — reclama o advogado.
Entre os transferidos, bandidos sem expressão
Pelo menos quatro dos nove transferidos para o presídio em Rondônia sequer tinham antecedentes criminais: Alan Francisco da Silva, Davi Gomes de Oliveira, Jackson Nascimento Gomes da Silva, e Técio Mathias da Silva. Como diz o desembargador Siro Darlan, da 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio, em decisão que determinou o retorno dos detentos, eles seriam “tão somente soldados do tráfico de drogas”.
Em seu voto, Siro Darlan, que relatou os pedidos dos réus para que retornassem ao Rio, critica a transferência precipitada de presos para penitenciárias fora do estado:
“Sob o pretexto da urgência e da situação de excepcionalidade, a transferência é determinada com a mera referência genérica à participação em facções criminosas, mas sem o devido processo legal, que pressupõe o exercício do contraditório. E, pior, sem adequada fundamentação”.
Dos outros cinco presos após a invasão ao hotel, três têm antecedentes criminais conhecidos. Ítalo de Jesus Campos, o Perninha — que, segundo as investigações, comandou a invasão e seria o braço-direito de Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem, chefão das bocas de fumo da Rocinha — já tinha quatro passagens por tráfico.
Victor Gomes Elói tinha quatro antecedentes por furto, e Rogério Avelino da Silva, uma passagem por tráfico. O EXTRA não conseguiu confirmar a situação de Vinícius Gomes da Silva e Washington de Jesus Andrade Paes.
A transferência equivocada de presos não é novidade: em outubro do ano passado, o EXTRA mostrou que, após a derrubada do helicóptero da PM por traficantes no Morro dos Macacos, em Vila Isabel, em outubro de 2009, a Secretaria de Segurança incluiu, na lista de bandidos transferidos para a Penitenciária Federal de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, Leonardo Isac Rodrigues Amin. Ele estava foragido desde 29 de maio de 2009.
Morador de São Conrado filmou bandidos trocando tiros com a polícia nas ruas de São Conrado
Morador de São Conrado filmou bandidos trocando tiros com a polícia nas ruas de São Conrado Foto: Reprodução de TV / TV Globo
Aval de lei federal
Uma brecha na Lei Federal 11.671, de 2008, que regulamenta a transferência e a inclusão de detentos em presídios federais de segurança máxima, favorece a prorrogação da permanência de criminosos cariocas de alto periculosidade em penitenciárias federais.
Mesmo que Justiça Federal rejeite a renovação do prazo de permanência de um detento num presídio federal — limitado a 360 dias —, a lei prevê que o Judiciário do estado de origem do preso poderá alegar um conflito de competência. Assim, o caso seria decidido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Enquanto não houver solução — que pode demorar dois anos ou mais —, o preso terá de permanecer num presídio federal.
É o que deverá acontecer, por exemplo, com o traficante Marcus Vinicius da Silva, o Lambari. Enviado de volta para o Rio, Lambari poderá ser novamente transferido para um presídio federal, já que a Justiça estadual recorreu ao STJ. No entanto, para que o preso permaneça numa unidade fora do estado, é preciso que a Justiça de origem abasteça a Justiça Federal com informações a respeito do detento.
Uma das exigências é esclarecer, por exemplo, se existe mandado de prisão em vigor contra quem foi envido para fora do estado. No caso do preso Ricardo Severo, o Faustão, a Justiça Federal alegou que não havia sequer informações sobre mandados de prisão preventiva. Ele acabou sendo trazido de volta para o Rio.
Por outro lado, quando a periculosidade do bandido é fartamente comprovada, a lei possibilita que o detento seja mantido por anos em presídios federais: é o caso de Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar.
Policiais na porta do Hotel Intercontinental após a invasão de traficantes da Rocinha
Policiais na porta do Hotel Intercontinental após a invasão de traficantes da Rocinha Foto: Marco Antônio Cavalcanti / 21.08.2010
Faltam critérios para transferir presos, dizem juristas
A polêmica sobre o envio e a permanência de presos oriundos da Justiça Estadual, em penitenciárias federais, divide os juristas. Para o advogado criminalista Paulo Ramalho, a transferência de detentos ocorreu sem critérios, já que o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), em vigor em presídios federais, exige que o detento passe por um processo de avaliação, antes de ser levado para outro estado.
— O Rio tem transferido presos a seu bel prazer. Há muitos habeas corpus contra as transferências. Está ficando muito cômodo transferir presos para outros estados, até por questões políticas — disse Paulo Ramalho.
O advogado Yuri Sahione afirmou que se trata de um caso de segurança pública.
— Existe um problema de segurança pública, e o Rio vai fazer de tudo para manter os presos fora do estado, porque sabe os riscos envolvidos com o retorno. É uma questão que o Supremo Tribunal Federal tem de resolver — disse ele.
Para o desembargador aposentado Antonio Carlos Amorim, a Justiça Federal do Paraná tem direito de alegar a falta de informações, como razão que motivou o retorno de traficantes para o Rio de Janeiro.
— Se o juiz do Paraná tem presos do Rio e não sabe porque estão lá, é claro que ele tem razão de mandá-los de volta — afirmou.
A mesma opinião tem o criminalista Ary Bergher.
— Nada justifica a falta de informações. A Vara do Rio de Janeiro tem obrigação de encaminhar informações sobre os presos para o Paraná — concluiu o advogado.

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